“Violência atinge mulheres ricas e pobres”, diz Maria da Penha em evento da Engie em SC
Convidada especial do evento Agosto Lilás da Engie Brasil Energia, em Florianópolis, Maria da Penha, que inspirou a lei que leva o seu nome em defesa das mulheres, deu recados importantes. Ela disse que a violência contra a mulher atinge todas as classes sociais e que mais mulheres estão denunciando. Também alertou que o melhor ambiente para instalar serviço de proteção à mulher nas cidades é junto aos postos de saúde porque lá o agressor não vai perceber ou ser avisado de que está sendo denunciado.
– A violência atinge mulheres ricas e pobres, de qualquer classe social. As pobres são mais corajosas. As ricas, muitas vezes, sofrem violência doméstica por causa do patrimônio do marido e não denunciam. Mas isso já está mudando. A gente tem visto exemplos, ultimamente, de mulheres poderosas financeiramente que assumiram que são vítimas de violência – disse Maria da Penha para a coluna, após a palestra que fez quinta-feira (30 de agosto), em Florianópolis.
Ela está à frente do Instituto Maria da Penha, que trabalha pela conscientização da violência contra a mulher e empoderamento para que elas tenham coragem de denunciar e sair dessa situação. Participou da Jornada Agosto Lilás da Engie, que mobilizou mais de 2 mil pessoas entre colaboradores e 23 empresas que integram o programa Parcerias do Bem.
Depois da palestra, Maria da Penha participou de painel tendo como debatedoras a defensora pública do Estado de Santa Catarina, Anne Auras, e a diretora de Pessoas, Processos e Sustentabilidade da Engie, Luciana Nabarrete.
Maria da Penha Maia Fernandes nasceu em Fortaleza, em 1º de fevereiro de 1945, é farmacêutica bioquímica pela Universidade Federal do Ceará e mestre em Parasitologia em Análises Clínicas pela Universidade de São Paulo. Ela é mãe de três filhas e sofreu violência em 1983 do então marido Marco Antônio Heredia Viveros.
Ao iniciar a palestra em Florianópolis, disse estar feliz por ser uma iniciativa para alcançar um maior número de pessoas para que fiquem mais conscientes sobre o problema da violência doméstica e começou fazendo a descrição de si própria:
– Sou uma mulher que tem 79 anos, cabelos curtos grisalhos, olhos castanhos e que eu sou cadeirante porque fui vítima de violência doméstica. Recebi um tiro nas costas enquanto eu dormia do então meu marido, professor de economia, colombiano naturalizado brasileiro. Fui atingida enquanto dormia. Por conta dessa agressão, eu passei quatro meses hospitalizada. Depois dos dois primeiros meses eu saí do hospital uma pessoa tetraplégica, não conseguia mexer as mãos e os braços, para vocês terem ideia. Então, fui atendida no Hospital Sarah Kubitschek de Brasília, onde recuperei os movimentos dos braços – declarou Maria da Penha.
Ela também destacou que quando retornou para casa, após os quatro meses de hospital, sofreu uma nova tentativa de assassinato, por descarga elétrica, no banheiro. Daí, solicitou a separação e foi morar com a família.
Foi a investigação policial que apurou que ela estava sendo vítima do próprio marido. No início, ele disse que foi um assalto. O julgamento foi longo em função dos recursos na Justiça e ele só foi condenado a 10 anos de seis meses de reclusão em 1996, por pressão da Organização dos Estados Americanos (OEA), que também exigiu mudança na lei brasileira, por isso a Lei Maria da Penha. Ela conta a vida no livro “Sobrevivi… Posso contar”.
A defensora pública do Estado de Santa Catarina, Anne Auras, afirmou no painel que os relatos feitos por Maria da Penha se repetem em Santa Catarina, em Florianópolis. Segundo ela, as mulheres enfrentam dificuldades para identificar a violência quando ela não é física, mas é psicológica, patrimonial e sexual. Ela também observou que nem todas as cidades do Estado têm atendimento diferenciado às vítimas de violência doméstica.
– Nós temos na capital juizado especializado, promotorias especializadas, uma casa abrigo para mulheres em situação de violência que precisam desse encaminhamento. Temos delegacia especializada. Aqui em Santa Catarina nós não temos delegacias da mulher. Nós temos DPCAMI, que são delegacias da mulher, da criança, do adolescente e da pessoa idosa. É especializada, mas não é exclusiva – destacou Anne Auras sobre atendimentos nessa área.
Segundo ela, em Florianópolis existe a Casa Abrigo e o Centro de Referência Especializado na Mulher em Situação de Violência com diversos serviços, a Defensoria Pública para assistência jurídica às mulheres. Além disso, existem Procuradoria da Mulher na Assembleia Legislativa (Alesc) e na Câmara Municipal, o conselho da mulher e vários programas da Polícia Militar para acompanhar mulheres com medidas protetivas.
Todos esses serviços, essa rede de apoio é necessária, mas as mulheres têm que ter condições de fazer as denúncias de forma segura. Para Maria da Penha, o local mais discreto e eficaz para ajudar mulheres vítimas de violência são os postos de saúde das cidades, em especial as cidades menores.
– Não vamos conseguir (oferecer atendimento) se não for através do posto de saúde porque lá é o local onde essa mulher vai cuidar da saúde dela, cuidar da saúde dos seus filhos. Lá, ela não vai despertar curiosidade na comunidade de que está sendo vítima de violência – alerta ela, porque numa cidade pequena todos veem onde vão e o agressor vai ficar sabendo.
Maria da Penha, que ainda anda com seguranças para proteção pessoal em função das ameaças de violência que ainda sofre, avalia que a lei que leva o seu nome ainda não é conhecida o suficiente para que a grande maioria de mulheres vítimas de violência busquem seus direitos. Observa que quando uma mulher é dona de casa e está enfrentando o problema, pode buscar seus direitos, pedir a separação do parceiro, buscar novo caminho para ela e os filhos e fazer com que a Justiça cobre pensão alimentícia para a família. Ela também defende educação preventiva nas escolas, desde cedo, para que os adultos evitem a violência.
Jornada Agosto Lilás
A diretora Luciana Nabarrete destaca que a Engie tem parceria com o Instituto Maria da Penha há algum tempo, desde quando fundou o programa Mulheres do nosso bairro, voltado à geração de renda. A Jornada Agosto Lilás é desenvolvida com empresas que integram o programa Parcerias do Bem, dentro do qual está o Mulheres do nosso bairro.
– Uma das verticais desse programa é a integridade. Principalmente na pandemia, a gente percebeu que as mulheres ficavam em casa com os seus agressores e os casos de violência doméstica aumentaram bastante. Então, a gente criou essa vertical e a parceria natural foi com Instituto Maria da Penha. Disso nasceu o Agosto Lilás que, nesta segunda edição, estamos com 23 parceiros para levar a conscientização sobre a violência doméstica e familiar para uma série de empresas – destacou Luciana Nabarrete.
De acordo com a gerente de Responsabilidade Social da Engie, Luciane Pedro, o programa Mulheres do nosso bairro já completou cinco anos. É um programa pelo qual a empresa apoia e acredita no poder de superação que as mulheres têm em vários níveis.
– O Agosto Lilás vem nesse sentido, de dar para as mulheres informações, sensibilização sobre a temática da violência doméstica. A gente faz isso em várias cidades do Brasil. Com o instituto, são divulgadas informações sobre o ciclo dessa violência – afirmou Luciane Pedro.
Fonte: NSC