Santa Catarina elege dez vereadoras negras nas Eleições 2024
Representatividade, orgulho e diversidade. Essas são as palavras que dão tom às candidaturas das dez vereadoras negras eleitas em Santa Catarina no pleito de 2024. Elas vão ocupar uma cadeira no poder Legislativo a partir de 1° de janeiro de 2025. Duas delas foram reeleitas e outras oito vão exercer o cargo pela primeira vez.
O número aumentou com relação às eleições de 2020, quando oito mulheres negras foram eleitas para as câmaras de vereadores no Estado. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2024, 80 candidaturas pretas foram registradas pelo público feminino em âmbito catarinense. Do número, apenas 12,5% se elegeu.
A mais votada que fez história na Câmara e na Alesc
Vanessa da Rosa (PT), eleita em Joinville, foi a mulher negra mais votada de Santa Catarina, levando 4.366 votos. A professora, com 34 anos de magistério, é a segunda negra a ocupar a cadeira na cidade em 151 anos. Ela também fez história quando, no ano passado, assumiu como deputada na Assembleia Legislativa catarinense após 89 anos da passagem de Antonieta de Barros pelo cargo.
Vanessa sucede Ana Lúcia Martins (PT), a primeira vereadora negra eleita da história de Joinville, em 2020, e que recebeu diversos ataques após a vitória, incluindo ameaças de morte. A professora espera um mandato tranquilo neste sentido, mas se diz preparada caso venha a receber intimidações. Ela cita que o perfil do parlamento brasileiro é branco e machista e o que ocorreu com Ana foi uma tentativa de apagamento.
Ela comenta sobre a necessidade de uma “oposição construtiva”, sem interesse em “videozinho para lacrar no TikTok”, a fim de qualificar o espaço legislativo, e defende mais candidaturas femininas e pretas.
— Nós, mulheres negras, onde nós estivermos, sempre seremos mais cobradas, sempre seremos o alvo, mas a gente precisa ocupar esses espaços, nós precisamos nos colocar à disposição. E é com muita responsabilidade que eu encaro este desafio, e que este desafio sirva para potencializar mais mulheres, sejam elas negras ou não, mas que entendamos que esse espaço também é nosso, que a gente tem que estar nos espaços de decisão e de poder, e que a gente precisa criar uma rede de apoio para nós — destaca.
Outro ponto que Vanessa faz questão de mencionar é que ela e outros três candidatos negros petistas (Ana Lúcia, Rhuan Fernandes e Lucas Ukah) fizeram 50% dos votos da federação em Joinville. Para ela, este é um importante sinal para a sociedade catarinense.
— Isso mostra a nossa força, mostra que o partido e a sociedade têm que estar atento para o nosso potencial, tem que reconhecer que é assim que nós existimos, que nós fazemos parte da história da cidade, que nós temos força. Nós temos pauta e qualificação. Só por isso eu já me sinto extremamente vitoriosa. Nosso partido conseguiu me eleger, nós queríamos mais vereadores, mas o fato de termos quatro candidaturas negras que saíram à frente, que se destacaram, isso diz muito sobre a nossa cidade, sobre o nosso Estado.
Vereadora reeleita no Vale Europeu
Natural de Ilhota, foi em Gaspar que Maria Lúcia Xavier da Costa dos Santos, a Mara da Saúde (PP) construiu carreira. Casada há 33 anos e mãe de três, no pleito de 2024, foi reeleita como vereadora na cidade do Vale Europeu.
Para ela, para além do feito histórico, ter sido uma das 13 pessoas escolhidas para dar continuidade ao mandato que iniciou em 2020 é sinônimo de orgulho e representatividade.
Cristã, cita que se orienta pela fé e apoio da família. Sua trajetória, segundo ela, é marcada pela luta por igualdade e desejo de construir um futuro melhor.
— Crescemos e vivemos em uma cidade do Vale Europeu, onde, por muito tempo, acreditamos que a política não era um espaço para mulheres, muito menos para mulheres negras. Ao ser reeleita, carrego comigo essa responsabilidade e um compromisso maior de mostrar que, sim, o nosso lugar é onde quisermos estar. Esta conquista é nossa e representa a força da diversidade e da mudança que estamos construindo juntos — define.
Para que mais mulheres pretas ocupem o legislativo, para Mara, é fundamental que exista investimento na formação política e na conscientização desde cedo.
— Precisamos de programas de capacitação e mentoria que orientem essas mulheres sobre o funcionamento da política e as empoderem a lutar por seus lugares. Além disso, é essencial que os partidos se comprometam verdadeiramente com a diversidade, abrindo espaço e recursos para candidaturas negras e femininas.
Mensagem clara da sociedade
Para Cássia Sant’Anna, advogada e militante do Movimento Negro Maria Laura, de Joinville, a conquista de mais cadeiras por mulheres negras no legislativo catarinense representa uma mensagem clara da sociedade, que desde 2020 tem se tornado cada vez mais evidente: a população quer mais representatividade preta e feminina tomando posse de espaços antes pouco ocupados.
Ela cita que este número reflete a força das candidaturas que vêm obtendo números expressivos nas urnas, e isso está diretamente ligado à identificação da população com essas figuras, “que não surgiram de forma isolada ou repentina” e que são “vozes legítimas de um segmento da sociedade historicamente excluído dos espaços de poder”.
— Muitas dessas candidaturas foram forjadas em movimentos sociais, em coletivos negros e de mulheres, ou seja, são lideranças que já desempenhavam papéis fundamentais em suas comunidades muito antes de ingressarem no parlamento. Elas trazem consigo uma trajetória de luta e compromisso com suas bases, o que se reflete diretamente na confiança que o eleitorado deposita nelas. O trabalhador confia em uma mulher negra porque sabe que ela compreende suas vivências, usa os mesmos serviços públicos, e compartilha das mesmas dificuldades — pontua Cássia.
Falta de apoio partidário limita candidaturas pretas
A advogada ressalta que, mesmo que essas mulheres tenham conquistado uma cadeira na Câmara, faz uma crítica aos partidos, já que nem sempre essas candidaturas recebem o apoio necessário dentro das legendas. Para ela, isso demonstra “uma falta de visão política grave” já que a sociedade demonstra o desejo por essas mudanças.
— A população está cada vez mais desconectada das legendas tradicionais, que não conseguem mais representar suas demandas, e as mulheres negras surgem como um ponto de reconexão, trazendo de volta a confiança do povo na política — opina.
Para que essas candidaturas se tornem cada vez mais comuns, Cássia vê a necessidade do fortalecimento de políticas de ação afirmativa, como o fundo partidário, cotas para mulheres e fundo específico para candidaturas negras a fim de viabilizar campanhas de candidatas que não dispõem de recursos financeiros próprios.
— Sem esse suporte, seria muito mais difícil para elas competirem de forma justa, dada a estrutura desigual de financiamento de campanhas. Contudo, não basta apenas existir o fundo: é preciso que os partidos políticos deem real apoio e destaque a essas lideranças. Infelizmente, muitas vezes, vemos apenas uma liderança sendo impulsionada, enquanto outras são deixadas de lado. Para que a presença de candidaturas negras se normalize, é necessário que haja um esforço coletivo dos partidos — problematiza.
A advogada também cita a importância de formações antirracistas em escolas, espaços de formação política e sociedade em geral para que o debate seja amplo e garanta que essas ações não sejam vistas apenas como exceções temporárias, mas como medidas estruturantes para transformar a política brasileira.
— Assim, deixaremos de ver essas conquistas como algo “incomum” e passaremos a tratá-las como uma parte natural e necessária da democracia — complementa.
Fonte: NSC